sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Ao Vivo No Bar Entrevista: Papai Noel

O Bom Velhinho curte as férias em Rio das Ostras antes da
correria do Natal. Haja saco para tanta burocracia, hem...

A alegria dele contrasta em parte com o tempo nublado. Nada que incomode o senhor rotundo, de longa barba branca e gorro vermelho, que resolveu fugir do rigoroso inverno da Sibéria e pegar uma “corzinha” em Rio das Ostras, como ele mesmo diz, antes de cumprir suas obrigações de final de ano. Eu ofereço uma bebida, mas ele nega sob alegação de que ainda vai dirigir. Nesse bate papo às vésperas do Natal, ele conta um pouco de sua relação com os duendes e as renas, revela que odeia Brasília e que não pode entrar no espaço aéreo de vários lugares do mundo, além de se dizer torcedor do Chelsea e contar porque já foi expulso da Vila Belmiro. Tudo com muita descontração.

Ao Vivo No Bar: Como é ser o Papai Noel?

Papai Noel: Olha, é difícil, viu. São muitas cartas, muitos pedidos. Antes era mais fácil, as crianças agradeciam mais. Agora não. Agora é só pedido. E ainda tem esse lance de e-mail, Orkut, Facebook, Twitter... Haja tempo.

Ao Vivo No Bar: Dá para atender todas? E quando não dá, como é que faz?

Papai Noel: Isso é outro problema. Às vezes as pessoas esquecem que eu sou um só. Os duendes ajudam, mas hoje em dia é tudo mais difícil. Têm férias, 13º, greve, auxílio doença. Esse ano foi brabo. Tive que dar licença ao Zangado porque ele está sendo processado por Bullyng pelo Dunga. Sabe como é; aquelas orelhas... O Soneca entrou com uma ação na justiça contra mim sob alegação de que o problema dele não é sono, é estresse. Isso sem contar que eu estou sem uma das renas porque a Vixen foi presa por voar embriagada.

Ao Vivo No Bar: Nossa, não sabia que o senhor tinha tantos problemas...

Papai Noel: Pois é, meu filho. E o prazo que é muito curto, a distância que é muito longa, as estradas são uma porcaria, tem espaço aéreo que a gente não pode entrar... Assim não dá para atender todo mundo. Só que ninguém vê isso. Todo mundo só quer saber de reclamar. E pedir.

Ao Vivo No Bar: E quem reclama mais aqui no Brasil?

Papai Noel: Olha, por incrível que pareça são os políticos. Me obrigaram até a criar um SAC (serviço de atendimento ao cliente) só para cuidar disso. Mas o que eu posso fazer? A regra é clara: bom menino, ganha; mau menino, não. Lá não é que nem aqui, que eu posso burlar as regras. A fiscalização é dura. Eu gostaria até de pedir para que eles parem de me mandar presentes, passagens aéreas, camarotes pro Carnaval e essas coisas...

Ao Vivo No Bar: Tem fiscalização, é? Quem que cuida disso?

Papai Noel: Eu não posso dar muitos detalhes sobre isso. Mas posso garantir que tem sim. E elas pegam pesado com quem desrespeita as regras.

Ao Vivo No Bar: Elas?

Papai Noel: Ih, eu já estou falando demais...

Ao Vivo No Bar: Tudo bem; deixa pra lá. O senhor parece conhecer a índole dos políticos brasileiros muito bem. E eu sempre fiquei intrigado com isso. Como é que o senhor sabe quem são os bons e maus meninos, afinal?

Papai Noel: Isso é bem interessante, na verdade. E até é bom que eu possa esclarecer isso de uma vez por todas, principalmente para os milhões de advogados que me processam todo o ano. É bem simples. Não sou eu quem faz essa triagem. Desde a Renascença, pra dizer a verdade. A gente estava tendo problemas com alguns iluministas que diziam que nossos métodos não eram muito racionais e empíricos. Havia muita gente descontente, muitas pessoas deixaram de nos escrever e isso era ruim pros negócios; sabe como é. Então resolvemos terceirizar o serviço. Eu mesmo tenho pouquíssimas informações sobre quem faz isso atualmente. Hoje a carta nem vai mais pra minha mão.

Ao Vivo No Bar: Ah, não?

Papai Noel: Não. Com tanta lei para se produzir alguma coisa, a gente teve se adequar. Hoje a carta vai direto para triagem. Se for de um mau menino, ou menina, vai para a reciclagem, afinal temos que cuidar no planeta. Eu mesmo to pensando em mudar o visual para algo mais verde ano que vem... (Ele faz uma pausa). Então, se estiver tudo direitinho com a carta, ela segue para o Diretor (ele explica que o duende Mestre achou que estava na hora de dar uma repaginada, fez uns cursos de gestão e mudou de nome). De lá, ele encaminha para a linha de produção conforme o nível de importância do pedido: manufaturados, nível 1; eletroeletrônicos, nível 2; e assim por diante. Depois, os presentes são embalados e enviados aos órgãos de qualidade e autoridades para serem testados. Só se aprovados, é que vão para o saco e depois para o trenó.

Ao Vivo No Bar: Caramba. Quanta burocracia...

Papai Noel: Nem me fale. Quase que fomos à falência com essa crise mundial. Minha sogra que não me ouça, mas eu devia tê-la escutado e deixado meu dinheiro debaixo do colchão que era muito mais seguro. Mas sabe como é, né? Com toda essa violência, assaltos e tudo mais, fiquei preocupado. Afinal, já não sou mais um garoto.

Ao Vivo No Bar: Mas lá na Sibéria tem muita violência?

Papai Noel: Lá não. Mas eu quase não fico lá. Na Sibéria fica só a fábrica e a casa da minha sogra. Eu mesmo, moro na Suíça, que é um dos poucos lugares do mundo em que se respeita os idosos.

Ao Vivo No Bar: Mas na Suíça tem muita violência?

Papai Noel: Meu filho, você pergunta demais hem. Me vê aquela bebidinha que você falou aí. Esse papo todo ta me deixando com a garganta seca.

Ao Vivo No Bar: Claro. Tem cerveja, uísque, um licor...

Papai Noel: Tem vodka? Sabe como é; velhos hábitos...

Ao Vivo No Bar: Ih, vodka acabou. Tomei tudo ontem com suco de manga e ouvindo um samba de raiz aqui.

Papai Noel: Hum... Então me vê essa cerveja aí mesmo. E chega de falar de trabalho também.

(Pausa para abrir outro litrão)

Ao Vivo No Bar: Ta certo. Hum... Vamos falar de que? O senhor gosta de futebol?

Papai Noel: Mas é claro! Torço pro Chelsea.

Ao Vivo No Bar: Mas justo pro Chelsea, que é azul? Não devia ser para algum time vermelho ou algo assim?

Papai Noel: Olha só, meu filho. Eu só uso esse vermelho aqui por uma cláusula contratual. Na verdade, eu detesto vermelho. Você tem ideia de como é horrível você usar sempre o mesmo modelo pelos últimos... Sei lá. 70 anos? E qual o problema de torcer pro Chelsea? E além do mais, o Abramovich (Roman Abramovich, bilionário russo e dono do Chelsea) é meu amigo de longa data.

Ao Vivo No Bar: Ué, mas e aquela história de bom e mau menino?

Papai Noel: Sabe como é... Amigos, amigos, negócios à parte.

Ao Vivo No Bar: E o que achou da escolha da Fifa em realizar uma Copa do Mundo na Rússia? Gostou?

Papai Noel: Não tem como não gostar. Finalmente não vou precisar enfrentar toda aquela burocracia de viagem, visto, horas na internet para comprar ingressos. E o melhor é que a lista de presentes diminui com a Copa. Todo ano recebo milhões de cartas com pedidos para ir à Copa. Então, quando a Copa vem até eles, eles se sentem mais felizes. Eu sabia que ia valer a pena a gente vender aqueles mísseis para o Paquistão, pra Coréia do Norte, para o Afeganistão, e até aqueles falsos para o Saddam. Está aí o resultado de anos de boas relações no comércio exterior: compramos a Copa do Mundo.

Ao Vivo No Bar: É... Mas e no Brasil, o senhor tem algum time, ou algum amigo?

Papai Noel: Time não tenho mais não. Eu gostava daquele timaço do Santos de Pelé, mas depois que me expulsaram da Vila Belmiro por acharem que eu era mascote do São Paulo, eu desisti. O futebol aqui é muito bagunçado. Amigos eu tive muitos. Vinícius e Tom eram bons companheiros de copo. O Ulisses e o Betinho eram dois bons velhinhos. E o ACM também...

Ao Vivo No Bar: O ACM?

Papai Noel: É. Você não tem ideia do que é o Carnaval da Bahia quando se é amigo do ACM...

Ao Vivo No Bar: E o Lula?

Papai Noel: Do Lula não. De sindicalistas, já me bastam aqueles duendes. E além do mais, você já viu os amigos dele? Só mau elemento...

Ao Vivo No Bar: Sei...

Papai Noel: Aliás, também não gosto Brasília. Eles só dificultam meu trabalho. É tanta burocracia que eu tive que contratar uma transportadora para fazer a entrega dos presentes lá. É a Polícia Federal cobrando propina e/ou imposto pela entrada dos presentes, a Infraero reclamando de autorização de vôo, o Ibama cobrando licença das renas ... Eu, hem! Deus me livre!

Ao Vivo No Bar: Parece bem complicado mesmo...

Papai Noel: Complicado? Você não imagina o quanto. Mas tem lugares piores. Na Europa, por exemplo, tem países que eu só entro com visto de turista. Lá eles reclamam por eu ser russo; dizem que eu to tirando emprego de alemães, franceses, italianos... No Oriente Médio, nem se fale. Se voar lá, capaz de me tascarem um míssil na fuça. Eles não aliviam nem por eu ser russo. E na África então? A gente não vai mais lá desde 94. Tudo por causa de uma denúncia anônima de que os ditadores locais estavam escrevendo as cartas em nome da população. Bem que eu achei estranho aquele tanto de arma par Ruanda...

Ao Vivo No Bar: A coisa ta preta no mundo hoje mesmo. O senhor tem alguma mensagem para as pessoas nessa época de Natal?

Papai Noel: Tenho sim. Aproveitem bastante os presentes desse ano. Encham a cara, se puderem. E me esqueçam! To cansado dessa história de descer em chaminé, to cansado de aturar esses duendes sindicalistas, to cansado dessas renas discutindo e se perdendo toda hora. E ainda sou confundido com ladrão, fiscal da receita, ou pior, com o Lula! Quer saber? Para mim, chega! Ano que vem, vou me aposentar. Vou vender as ações daquela maldita fábrica para alguma empresa de material esportivo e tirar umas férias naqueles hotéis de luxo em Abu Dhabi. É isso que tenho pra dizer. Agora eu vou indo que ainda tenho que fazer umas comprinhas em Búzios antes de pegar a estrada. Feliz Natal para todos! Ho ho ho!

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